Abraços e fibras óticas

  • 14 de novembro de 2020
  • MDBF

                Quem diria. Quando o Mississippi Delta Blues Festival nasceu, não se imaginava o quão longe poderia chegar, o quanto poderia crescer, e foi acontecendo de forma quase natural – natural porque crescer é o destino de tudo o que dá certo, quase porque nada aconteceu sem muito trabalho envolvido.

                Cresceu, e esse ano seria histórico pela edição Crossroads em homenagem a uma das mais célebres lendas do blues: o pacto de Robert Johnson com o capeta. A ideia para 2020 era transformar a terra do cinema e do chocolate também na terra do blues, com a parceria da Caza Wilfrido, tradicionalíssimo espaço de grandes eventos em Gramado.

                E da pior forma possível, é uma edição histórica.

Do limão à limonada

                Talvez precisar se adaptar à dor e a tristeza e transformar isso em algo bom seja a maior das heranças dos criadores do blues. Já contamos aqui nesse espaço como o ritmo nasceu e quanto sofrimento viveram os primeiros blueseiros.

                E se o blues nasceu como uma forma de aliviar a dor e uma população escravizada nos campos de algodão, é nossa obrigação honrar esses homens e mulheres e trazer sua música para servir como o abraço que estamos impedidos de trocar, como o nosso “sinto muito” pelos tantos que perdemos, pelo nosso desejo de poder seguir em frente e sonhar com um mundo mais justo e saudável.

                Blues é sonho de liberdade. Mesmo que seja impossível de comparar nossa clausura com a prisão a que foram submetidos os precursores, ainda há coerência em garantir que, apesar de tudo, o Festival não seja interrompido.

Dos sonhos

                Superação não é uma palavra exclusiva de coach motivacional, também tivemos que adotá-la para fazer a coisa funcionar. E nem tudo funciona de primeira, como acontece com tudo o que é novo. Estamos aprendendo a lidar com esse novo tempo torcendo que se torne passado o quanto antes, e nesse processo muita coisa aconteceu.

                Somos uma equipe imensa se comunicando por meios exclusivamente virtuais, cada um dando seu coração para que tudo funcione, mas nem tudo acontece como a gente gostaria – a line up foi ao ar 3 vezes e deletada por problemas de caráter burocrático, a nossa social media (no caso, eu) já estava entrando em desespero – inclusive colocamos o site no ar ainda precisando de ajustes!

                Mergulhamos em incertezas como todo mundo. As datas foram mudadas algumas vezes porque acreditamos até o último minuto que isso tudo terminaria e nosso Festival seria presencial, com todo mundo junto, curtindo o melhor do blues nacional e internacional e degustando fondue em Gramado. Bateu insegurança, medo, desânimo, tudo o que aconteceu com todo mundo.

                Mas gente, o blues só nasceu porque tinha gente muito corajosa e resiliente que não desistiu, temos nós o direito de desanimar? Não, os precursores não merecem esse desgosto. Fomos em frente, ainda sem saber bem como isso terminaria.

                Apesar dos percalços normais de toda novidade, terminou aqui: falta uma semana para a primeira edição online. A Caza Wilfrido ainda faz parte dessa história e será um ponto de transmissão de shows previamente gravados e outros ao vivo. Atrações maravilhosas no nível que um MDBF deve ter. Equipe apaixonada.

                Vai ter blues em 2020. Vamos ter que adiar os abraços, mas não precisaremos adiar a emoção que sentimos em promover o maior festival de blues da América Latina. Não deixa de ser um sonho realizado.                 Mas se o assunto é sonho, fica aqui o nosso: que em 2021 estejamos outra vez todos juntos, com música e calor humano, sem máscaras, sem medo. Que seja fraterno, e que a gente aprenda com tudo isso que nada é mais importante do que o amor que a gente semeia.

Texto de Maya Falks

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